Conteúdo produzido por Marina Hortélio e replicado do The Shift
Magalu, Ambev e 99 cativaram seus clientes com produtos completamente diferentes entre si, mas acabaram seguindo uma mesma estratégia: oferecer serviços financeiros para estreitar ainda mais a relação com o consumidor. A movimentação faz parte da tendência do Embedded Finance, em que toda marca pode ir além do seu serviço central para se tornar um banco. O apoio à transformação – ou fintechzação – vem das plataformas de Banking as a Service (BaaS), que facilitam e desburocratizam o processo. Com muito espaço para crescer no país, o mercado de finanças embutidas vai impulsionar tanto as companhias de BaaS quanto as que entrarem na onda o Embedded Finance.
O Embedded Finance é tendência em todo o mundo, como explica Arik Shtilman, CEO da Rapyd, uma plataforma global de Fintech as a Service, à McKinsey: “Atualmente, quase toda companhia quer se tornar uma fintech porque as empresas entenderam que a forma de modernizar a relação com seus consumidores é por meio do pagamento. Vemos, especialmente na região Ásia-Pacífico, que as grandes marcas estão se tornando meios de pagamento. Alibaba e Tencent foram os primeiros a fazer isso com Alipay e WeChat. Basicamente, todas as empresas que possuem um número substancial de consumidores decidiram começar a monetizar esses clientes fornecendo aplicativos de pagamento que substituem a necessidade de usar cartões de débito ou crédito. Agora a onda está chegando à América Latina, um mercado que está em disputa porque era muito orientado ao dinheiro, mas, com o coronavírus, adotou pagamentos digitais muito rapidamente”.
Os dados dos mercados de Embedded Finance e BaaS demonstram a oportunidade existente no segmento. Publicado em dezembro de 2021, o relatório “Next-Gen Commercial Banking Tracker”, da PYMNTS com a FISPAN, estima que o Embedded Finance atinja US$ 7 trilhões em valor globalmente nos próximos 10 anos. Já a receita do mercado de plataformas de Banking as a Service deve atingir cerca de US$ 12,2 bilhões até 2031, segundo estimativa do Future Market Insights.
No Brasil, o mercado potencial de BaaS estava na ordem de US$ 7 bilhões de dólares em 2021, e a expectativa é que o segmento ultrapasse a marca de US$ 14 bilhões em 2025. Os dados são de um estudo da consultoria Americas Market Intelligence encomendado pela Dock, uma plataforma de Banking as a Service brasileira que se tornou unicórnio em 2022.
O ganho de relevância das finanças embutidas tem relação com o comportamento do consumidor, que deseja uma experiência de compra mais conveniente, rápida, com menos fricção. De acordo com a pesquisa da Cornerstone Advisors “The Embedded Finance Flywheel”, realizada nos EUA, 64% dos consumidores das gerações Z e Y (millennials) estão interessados em adquirir produtos financeiros das marcas – a proporção cai para 42% no grupo dos Baby Boomers. Para 81% dos respondentes, o principal motivo para ter o produto seria gastar menos do que com os serviços tradicionais dos bancos. O segundo maior motivador é gostar ou confiar na empresa, opção escolhida por 61% dos entrevistados.
Para o CEO e fundador da plataforma de Banking as a Service Bankly, Davi Holanda, o grande triunfo do Embedded Finance é conseguir aproveitar as comunidades formadas em torno das empresas para oferecer serviços financeiros e, consequentemente, fortalecer a marca, em uma espécie de retroalimentação.
“Antigamente, os bancos tradicionais conseguiam fazer esse efeito comunidade porque estavam na ponta. Por exemplo, toda pequena cidade do interior tinha uma praça, uma igreja e uma agência bancária. O gerente representava aquela comunidade perante a instituição financeira. Isso se perdeu, mas o efeito comunidade é resgatado com a oferta das marcas, que conseguem construir serviços especializados para seu público”, afirma Holanda.
Um dos clientes da startup, o GiraBank, banco digital do influenciador Carlinhos Maia, é um exemplo claro desse movimento. Holanda explica que os seguidores do influencer – mais de 25 milhões só no Instagram – têm mais proximidade com Maia do que com um banco tradicional. Por isso, sentem mais vontade de apoiar e fazer parte da comunidade dele do que de um bancão. O mesmo se repete com marcas de outros segmentos.
A análise vai na linha do que indica o estudo da Cornerstone Advisors:
A adoção em massa do Embedded Finance também está relacionada aos avanços tecnológicos trazidos pela evolução do mercado de Banking as a Service. Antes, para ofertar serviços financeiros, uma marca de fora do segmento financeiro dependia de investimentos pesados em recursos e desenvolvimento tecnológico, o que poderia afetar o core da empresa. Agora, as integrações foram facilitadas com o uso de APIs.
Como explicam Sergio Biagini, sócio-líder da indústria de serviços financeiros da Deloitte, e Henrique Gallotti, diretor da prática de Strategy, Analytics e M&A da Deloitte, em um artigo para a consultoria, as ofertas de BaaS possibilitam a criação de novas propostas especializadas com time-to-market acelerado por permitir a integração de negócios não bancários com a infraestrutura financeira regulamentada.
O modelo também abre novas oportunidades para o próprio setor por permitir que bancos incumbentes gerem novas fontes de receita por meio do Banking as a Service, em um movimento de defesa de mercado. Em resumo, o BaaS é um provedor de infraestrutura para viabilizar a operação de novos serviços financeiros, seja para os bancões, fintechs ou empresas que não atuavam nesse espaço.
O CEO da startup compara o impacto do BaaS com os efeitos da adoção de servidores de cloud, especialmente do ponto de vista do barateamento da tecnologia. “O Bankly combina regulatório e plataforma, algo que lembra a AWS. A tese de Embedded Finance barateia o custo de entrada de empresas para oferecer soluções e serviços financeiros, dado que a companhia não precisa se preocupar com a tecnologia e o regulatório profundos daquilo, mas só com a interface e com a experiência, que já é o que ela entende bem. A companhia só vai adicionar serviços financeiros dentro daquela jornada”, explica Holanda.
Se o Embedded Finance é o objetivo das empresas, as plataformas de Banking as a Service são o meio que as ajuda a alcançar a meta de oferecer serviços financeiros. Um mercado está ligado ao outro. Na opinião de Ron Shevlin, Chief Research Officer da Cornerstone Advisors, em artigo para a Forbes, “o aumento do interesse no BaaS é resultado da crescente tendência das finanças embutidas”.
No artigo da Deloitte, os especialistas pontuam os três grandes fatores que potencializam a evolução das ofertas de BaaS:
O significado de banco mudou, alerta o CEO do Bankly. Todo mundo continua precisando de serviços financeiros, mas suprir essa necessidade não é mais exclusividade de um banco. Com o Embedded Finance, as empresas podem atuar em diferentes modelos. Atualmente, os casos de uso mais comuns são: pagamentos, empréstimos/crédito e seguros.
Com os Embedded Payments (pagamentos embutidos), as companhias conseguem facilitar as compras ao permitir que os pagamentos sejam realizados dentro do aplicativo e site proprietário da companhia, muitas vezes, com poucos passos. Um exemplo é no setor de mobilidade. Se antes, era preciso sair do app ou usar dinheiro para pagar por uma corrida de táxi. Agora, empresas de mobilidade conseguem integrar os pagamentos aos seus aplicativos, permitindo que o usuário não tenha que inserir os dados do cartão de crédito em todas as transações e consigam fechar a transação automaticamente.
No caso do Embedded Lending ou Credit, o serviço está relacionado a acesso facilitado ao crédito ou a empréstimos no momento de realizar o pagamento de um produto, sem a necessidade de ter que recorrer a um banco ou uma financeira. Em grande parte dos casos, o modelo é usado para caracterizar as ofertas de Buy-Now-Pay-Later (BNPL).
O modelo de Embedded Insurance (seguros embutidos) é parecido com o serviço voltado para acesso ao crédito, mas aplicado aos seguros. As empresas que possuem esse tipo de produto conseguem vender seguros diretamente ao consumidor no momento da compra de um item. Com isso, o cliente não precisa entrar em contato com uma seguradora e enviar diversos dados novamente para conseguir contratar o seguro. Um exemplo é o caso da Tesla, que oferece o produto a todos os compradores dos seus carros elétricos.
As empresas que já souberam se aproveitar da disrupção do setor financeiro conseguem trazer soluções financeiras para agregar valor para o seu cliente, o que tende a refletir nos resultados da própria companhia. De acordo com a pesquisa da Cornerstone Advisors, 1/3 dos entrevistados que têm um produtos financeiro de uma empresa afirmam que o produto fez com que eles gastassem mais com a marca.
“O Embedded Finance aumenta o engajamento do usuário e cria novas avenidas de geração de receita. Além disso, há uma redução do custo de aquisição do cliente porque passam a existir novas alavancas para trazer aquele cliente. Por exemplo, antes, o Méliuz só trazia o cliente pensando em shopping. Agora, pode oferecer cartão de crédito, cripto e conta para atrair o cliente”, analisa Holanda, dando o exemplo do Méliuz, empresa que adquiriu o Bankly.
Outro ganho é no tempo de tela. Ao adicionar mais valor, uma marca passa a alcançar outros pontos na jornada do cliente. No caso do Méliuz, o usuário que só fazia compras por meio do app começa a receber cashback diretamente em uma conta digital da companhia, com cartão de crédito e débito. Então, a movimentação passa a ser feita dentro do ecossistema do Méliuz, desobrigando o cliente a ter que entrar em um terceiro aplicativo para usar o dinheiro. É a redução de fricção tão demandada pelos consumidores.
Um outro exemplo de Embedded Finance é a 99Pay, carteira digital do app de mobilidade. Em dois anos de existência, a carteira atingiu 7 milhões de usuários ativos e oferece serviços que vão da transação de criptomoedas a cashback e uma conta digital remunerada. De acordo com a chefe de marktplace da 99, Maria Carolina Rossi, a 99Pay nasceu para promover a inclusão aos meios de pagamento digital das classes C e D.
O modelo de Embedded Finance pode ser adaptável a praticamente todos os segmentos. Por isso, Holanda acredita que, na geração de bancos 3.0, qualquer empresa poderá oferecer soluções financeiros para seus clientes, mesmo que não tenha banco no seu nome. Novamente, a tecnologia entra para atender as necessidade de cada marca, permitindo que sejam montadas diversas ofertas, das mais complexas às mais simples.
Em uma comparação dos APIs da empresa com peças de lego, o CEO do Bankly explica como é possível criar e escalar produtos financeiros únicos com a plataforma de Banking as a Service da startup: “Antigamente, a gente oferecia um balde cheio de lego e as empresas montavam os seus serviços financeiros. Agora, damos um balde com os legos adequados para montar a experiência de serviços financeiros para cada segmento. Podemos oferecer as peças para full bank para um determinado nicho ou para o setor de shopping. Além disso, resolvemos dores de outras empresas, como a criação de uma solução para emissão de boletos de condomínios ou de um banco de folha de pagamento para os funcionários de uma grande empresa”.